quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Relatos Cirúrgicos - Parte II

A auxiliar de enfermagem subiu um pouco a minha cama, aproximou a bandeja do café da manhã e, ao invés de me ajudar, já que eu estava totalmente fragilizada, largou xícara, pão, faca, iogurte, café na minha frente e saiu. Disse que era para eu me alimentar e que depois passariam para recolher as coisas. Tantas coisas para comer, mas só tive forças para mergulhar a colher no iogurte e com muita dificuldade fazer chegar até a boca. Estava muito chateada, deprimida. O mínimo que eu esperava é que ela ficasse do meu lado, me dando todo o suporte necessário. Mas não!

Logo passaram para recolher as coisas e ela me perguntou: "não comeu nada?". Falei que não consegui, que estava enjoada, com dor. E ela pareceu não se importar.

Por volta das 09:00h estava extremamente deprimida, com calor (porque o ar condicionado não estava funcionando direito),  louca para arrancar toda a parafernalha do meu peito do meu pescoço e simplesmente ir embora. Não podia estava ali presa, condenada. Tudo o que eu podia fazer era reclamar, reclamar, chorar de ódio, raiva e tristeza. Olhava para o meu corpo nu, inchado, anemico e pensava: estou morrendo. Apodrecendo. Só chorava e pedia atenção. 

Então veio a hora do tal banho de leito. Me pegaram em 3, numa brutalidade que jamais quero sentir na vida. Eu gritava, pedia para ir com calma pois estava com muitas dores, mas não fui respeitada.  Foram os 5 minutos mais horríveis da minha vida. Estava completamente em pedaços. Continuei no ciclo de clamar por atenção, chorar, enlouquecer. Mas não havia alguém para olhar por mim.

Passado algum a chefe de enfermagem veio e me mostrou as flores que as minhas queridas amigas me mandaram. Li o cartão, e consegui sorrir, apesar de todo sofrimento. A enfermeira disse que ia ficar tudo bem e disse que as flores não poderiam ficar ali por causa de todo o risco de contaminação etc. Disse também que logo seria o horário de visitas. Então vivi para esperar as visitas.

Veio minha mãe e minha irmã. Uma de cada vez. Tentei me fazer de forte, perguntando do meu cachorro para tentar me alegrar, mas aquela altura do campeonato era inevitável: estava visivelmente um lixo, completamente abalada psicologicamente. A visita durou mais ou menos 30 minutos e lá estava eu sozinha novamente...

(Continua)


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Relatos Cirúrgicos - Parte I

Para quem não sabe, sofro de cardiopatia congênita, operei a primeira vez com 07 meses de vida e novamente em 2012; neste mesmo 2012 estava afastada das redes sociais por vários fatores -principalmente psicológicos e que não não vem ao caso,então poucos sabiam realmente o que estava acontecendo comigo. Falar cura. Já falei demais, mas é sempre bom lembrar o porquê de estar aqui e o porquê tudo vale a pena.

Era 05/10/2012, por volta das 10h, e lá estava eu, na mesa de cirurgia, pronta para uma pequena morte artificial, já que uma máquina seria meu coração temporariamente. O médico disse que ficaria tudo bem e falou aquelas palavras inspirando confiança e tranquilidade. Puft. Apaguei.

Comecei a despertar por volta das 17h, ouvindo alguém me chamar de longe e dando pequenos tapas na minha cara. Abri os olhos "Oi, onde estou? O que aconteceu? Eu não morri? O que é isso na minha boca? Porque não consigo respirar direito?"  Estava na UTI, entubada, "grogue", mas consegui identificar que o médico e a minha mãe estavam ali. Sentia dor, queria me livrar de tudo aquilo ali. Queria ir para casa, ver meu cachorro, ver meus amigos... mas antes de tudo isso queria que tirassem o respirador da minha garganta. Estava me sentindo completamente sufocada. Me comunicava com minha mãe e o médico pelos olhos "02 piscadas sim, 01 não". E assim eles entenderam meu desconforto e me desentubaram e colocaram diretamente no oxigênio. Mas me incomodava o fato de ter aquela mascara de nebulizador, então solicitei para que colocassem aquele outro onde eu poderia receber oxigênio diretamente no nariz. Me senti mais confortável.

Minha mãe foi embora e fiquei nos cuidados dos demais médicos, enfermeiros e técnicos, completamente ao "deus dará"; não podia me mexer, pois estava com um cateter na jugular e outro na veia profunda no punho direito. "Meu deus, se eu me mexer, vou morrer". Além do mais parecia que estava pesando 1 tonelada. Meu corpo estava em colapso. Respirar doía, piscar doía. Estava ali na combinação de morfina (4mg) e dipirona (500mg) alternadamente.

Dormir aquela noite? Impossível! Um gritava, outro resmungava, medicos conversavam...e para ajudar tinha um relógio bem na minha frente fazendo tic-tac. Dormi aos picados, me sentindo um verdadeiro nada, olhando para aquele relógio de 10 em 10 minutos. CLAMANDO para aquilo tudo terminar. Não queria mais sofrer. E assim de tempos em tempos pedia para alguém ir no meu leito para eu dizer que estava sentindo dor, me sentindo suja e perguntar quando que eu teria alta. AQUILO ERA O INFERNO.

Por fim amanheceu, trocou a equipe do plantão e lá chegou o café da manhã. E o inferno começou a arder mais do que eu poderia suportar...

(Continua)