quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Relatos Cirúrgicos - Parte III

Almocei. Minha cabeça estava a mil, meu corpo doía e tudo o que eu tentava era abstrair toda aquela situação e o descaso em relação a mim. Queria desligar meu cérebro, dormir um pouco, mas o que eu conseguia era pouco mais de 15 minutos de sono. Acordava e olhava o relógio na minha frente e..."falta muito para eu sair daqui?"

A dor começou a apertar, a oscilação de temperatura do meu corpo era insuportável, meu cabelo fedia, ensopado à oleosidade natural. Só pensava em me levantar e tomar um banho digno, bem quentinho. Fechava os olhos e só imagina a água, o barulho do chuveiro, me perguntando se teria aquilo ali de novo.

Chamei alguém da enfermagem para perguntar quando teria alta, e pedir medicação para a dor, e eles me falavam que, se tudo ocorresse bem, domingo subiria para o quarto. Era meu 2º consolo, já que o 1º era esperar pelo segundo horário de visita do dia - por volta das 17:30h. Fui medicada. A dor aliviou, mas em 30 minutos comecei a chamar a equipe de novo que, com total falta de respeito, se quer davam ao luxo de ir ao leito. Pior: ficavam de conversinha paralela, risadas, falando de pão, café, coisas gostosas, do sol lá fora.. etc. Me entristeci mais ainda. Queria atenção. Remédio não fez efeito.

Passados mais ou menos 1h da ultima medicação, a dor era insuportável. Reclamava, chorava, suplicava que não queria mais sentir dor. Queria apagar de uma vez. Precisava descansar de alguma forma. A equipe, novamente, num total descaso de não ter consultado o médico responsável, me aplicou 4 mg de morfina. Resultado: TAQUICARDIA. Pensa: eu, operada há 24 horas, sem poder me mexer, bem dizer sambando na cama! Meu corpo tremia, a cama tremia, não conseguia respirar direito e a maquina de pulsação não parava de apitar. Fiquei mais ou menos uns 30 minutos nesse estado, com batimentos na casa dos 140. Seria o fim da linha? De longe escutava  a chefe de enfermagem dizer que aquilo ali não poderia ter acontecido, que eu não deveria ter sido medicada de novo porque a morfina se chocou com a dipirona e causou reação. O médico foi chamado, puto da cara e foi conversar comigo, dizendo que tudo ia ficar bem. Foi querido. Me agarrei ao "tudo ficará bem" e tentei manter as rédeas firmes no meu emocional desenfreado.

Aos poucos a taquicardia foi passando e eu me acalmando, tentando me fazer de forte, e passei a reclamar menos. Mas o episódio ficou firmemente gravado no meu inconsciente. Traumatizada. Recebi a visita dos meus pais e seguiu-se o anoitecer...

(Continua)